Entre cargos e caráter: o que aprendi sobre relacionamentos no ambiente corporativo
Era uma tarde de 2005 quando um gerente me abordou e disse: “Vou iniciar um projeto de redução de custos para a empresa e gostaria de saber se você quer participar.” De imediato, aceitei. Mesmo sem compreender totalmente a magnitude do desafio, disse sim. O risco era simples: se desse certo, ótimo; se não, eu voltaria às minhas atividades como funcionário terceirizado e seria absorvido pelo status quo.
Na época, eu era “quarteirizado”, trabalhando em uma multinacional de tecnologia. Digo quarteirizado porque era terceirizado da empresa que já prestava serviços como terceirizada. Antes de sair da companhia anterior, havia prometido a mim mesmo: “Nunca mais serei terceirizado.” Talvez não tenha direcionado bem essa intenção. Cuidado com o que você pede.
O projeto consistia em centralizar todas as demandas que não eram comerciais nem de suporte técnico em uma caixa de e-mail, respondida exclusivamente por mim. Em resumo, às vezes funcionava como uma central de exceções; em outras, como uma “vala comum” de pedidos de funcionários muito mais experientes do que eu. Para eles, uma batata quente. Para mim, uma oportunidade ímpar de crescimento.
As solicitações eram diversas. Algumas, elementares e enviadas apenas por falta de iniciativa em resolver. Outras, legítimas: mesmo sendo uma gigante do setor de tecnologia, havia demandas que não justificavam a criação de um setor ou a dedicação de uma pessoa exclusiva. Grande parte do volume exigia que eu conectasse pontos e fosse facilitador de processos internos. Era a chance de sair da bolha do suporte técnico e me aproximar do universo executivo, já que muitas dessas demandas vinham de executivos da empresa.
Percebi então como é diferente lidar com quem traz receita para a companhia. No suporte técnico, predominava um espírito coletivo: um ajudava o outro por dois motivos, para evitar ter de atender aquele cliente pouco depois e para aprender com a situação, compartilhando conhecimento. Já em vendas, embora não faltasse união, o ambiente era mais tenso, marcado por metas urgentes, pressão constante e competitividade.
Nesse projeto, observei muitos perfis. Descobri que um profissional sênior não é necessariamente uma pessoa emocionalmente madura. Um exemplo foi quando um diretor de vendas apareceu em minha mesa e perguntou: “Foi você quem enviou o e-mail para o fulano?” Ao responder que sim, ele simplesmente jogou seu celular, um Nokia C2, sobre minha mesa e disse: “Então fala com ele e explica você mesmo a sua resposta.” Virou as costas e foi embora. Não era um novato, nem alguém de surtos ocasionais. Era um executivo reconhecido, que hoje, ironicamente, atua com “transformação de empresas de forma humanizada”. Espero que tenha refletido ao longo do tempo.
Por outro lado, também vivi experiências opostas. Um gerente sênior de vendas sentou-se ao meu lado e disse, com educação: “Com licença, você é o Filipe Gonçalves? Gostaria de verificar uma questão contigo.” A conversa foi tranquila e, em menos de cinco minutos, tínhamos a solução. Esse profissional, hoje, é General Manager da empresa onde trabalho.
O projeto foi bem-sucedido: gerou um saving de US$ 75.000,00 em 12 meses. Meu cargo temporário foi oficializado, mas logo precisei deixar a função por causa de uma promoção, ainda como terceirizado. Mais tarde, aquela posição deu origem a uma equipe de doze pessoas, que recentemente passou por mudanças conforme as necessidades do negócio.
Essa experiência deixou lições valiosas. Percebi que cargo não é sinônimo de maturidade. Vi que muitas pessoas deixam transparecer sua educação (ou a falta dela) quando estão sob pressão, enquanto outras mantêm coerência e respeito em qualquer situação. As primeiras oscilam; as segundas seguem lineares e confiáveis. Esse aprendizado moldou minha tolerância com diferentes perfis no ambiente de trabalho.
Com isso, entendi que relacionamentos profissionais são uma habilidade crucial: podem impulsionar carreiras ou, ao contrário, se tornar bandeiras visíveis que afastam oportunidades daqueles que não conseguem manter consistência no comportamento.
Minha recomendação, após 20 anos na empresa onde atuo hoje, é simples: faça suas atividades da melhor maneira possível. O trabalho bem feito pode ser reconhecido; o mal feito sempre será. Como disse Dr. Rick Rigsby: “How you do anything is how you do everything” — a maneira como você faz qualquer coisa é como você faz todas as coisas. Em outras palavras: faça tudo com qualidade. O que você entrega hoje, seja bom ou ruim, será seu legado. Deixe sua marca positiva.
Filipe Gonçalves – 2025
Technical Customer Success Manager
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