Ciberataques na cadeia de suprimentos e os riscos sistêmicos ao sistema financeiro brasileiro: análise do caso C&M Software
A transformação digital do sistema financeiro brasileiro, impulsionada pela expansão do Pix e pela digitalização crescente dos serviços bancários, trouxe ganhos relevantes como agilidade, inclusão e redução de custos operacionais. No entanto, essa modernização também ampliou de forma significativa a superfície de exposição a riscos cibernéticos — especialmente no que se refere a prestadores terceirizados que compõem a cadeia de suprimentos tecnológica das instituições financeiras.
Este estudo analisa o ataque cibernético ocorrido em 3 de julho de 2025, quando criminosos exploraram vulnerabilidades na C&M Software, empresa homologada pelo Banco Central responsável por conectar bancos menores aos sistemas de pagamento. O objetivo central é compreender como falhas na governança de acessos privilegiados dentro dessa cadeia permitiram a invasão, e quais os riscos sistêmicos que esse tipo de ameaça representa para o ecossistema financeiro nacional.
A metodologia adotada é qualitativa, baseada em análise documental de relatórios técnicos, reportagens e estudos acadêmicos sobre segurança da informação, ataques à cadeia de suprimentos e governança de TI. A pergunta de pesquisa que orienta este artigo é: de que forma a fragilidade nos controles de fornecedores críticos pode comprometer a estabilidade e a confiança no sistema financeiro brasileiro?
O tema se justifica pela sua relevância prática e teórica. Os ataques que ultrapassam as defesas tradicionais do setor bancário evidenciam vulnerabilidades que exigem respostas articuladas, com impacto direto na confiança sistêmica, na reputação das instituições e na resiliência do sistema financeiro como um todo.
Ciberataques na cadeia de suprimentos: fundamentos e contexto
Os chamados supply chain attacks (ataques à cadeia de suprimentos) representam uma evolução nas estratégias criminosas no campo da segurança da informação. Ao mirar fornecedores estratégicos, os invasores buscam acesso indireto a sistemas críticos, explorando a relação de confiança entre empresas e seus parceiros tecnológicos. Segundo Kim, Park e Choi (2022, p. 4), “esses ataques exploram relações de confiança estabelecidas entre organizações e seus parceiros tecnológicos, permitindo acesso indireto a sistemas críticos”.
No Brasil, o crescimento acelerado de plataformas digitais como o Pix reforçou a dependência de provedores homologados para garantir conectividade com o Banco Central (COSTA; LIMA, 2023). Nesse cenário, empresas como a C&M Software se tornam elos centrais de intermediação — o que, embora positivo para democratizar o acesso ao sistema financeiro, também amplia a superfície de exposição a ataques cibernéticos.
Embora a Resolução nº 4.658/2018 do Conselho Monetário Nacional exija políticas de segurança cibernética e controles de acesso, nem sempre os mecanismos de auditoria e fiscalização sobre fornecedores são efetivos na prática. Isso abre brechas para que acessos privilegiados sejam mal gerenciados — ou pior: explorados de forma criminosa.
O ataque à C&M Software: fases, falhas e consequências
O ataque ocorrido em julho de 2025 contra a C&M Software escancarou essas vulnerabilidades. De acordo com as informações disponíveis, os invasores utilizaram técnicas de engenharia social para obter credenciais privilegiadas e executar transações fraudulentas que somam até R$ 800 milhões. A ação seguiu uma estrutura bem definida:
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Comprometimento inicial via engenharia social;
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Reconhecimento interno da infraestrutura da empresa;
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Escalonamento de privilégios e ampliação dos acessos;
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Execução rápida de transações, convertidas em criptoativos para dificultar o rastreamento.
Para a especialista Micaella Ribeiro, o episódio revelou “um ecossistema criminoso estruturado, capaz de agir de forma coordenada e silenciosa” (apud G1, 2025). A complexidade da operação evidencia a insuficiência de medidas meramente técnicas: é necessário também atuar sobre a cultura organizacional de segurança, com capacitação contínua e resposta integrada.
Além do prejuízo financeiro, os efeitos reputacionais e operacionais do ataque foram imediatos. Como alertam Costa e Lima (2023), o impacto sistêmico desse tipo de evento “compromete a confiança de todo o ecossistema financeiro, exigindo resposta coordenada de reguladores, empresas e sociedade” (p. 53).
E há indícios de que esses casos não são pontuais. Segundo Hiago Kin, presidente do Instituto Brasileiro de Resposta a Incidentes Cibernéticos, esse tipo de ataque “ocorre duas ou três vezes por ano, mas costuma ser abafado pelas instituições” (apud G1, 2025). Isso sugere uma subnotificação preocupante — e a possível subestimação do problema pelos órgãos reguladores.
Fragilidades regulatórias e riscos sistêmicos
Embora a Resolução nº 4.658/2018 estabeleça diretrizes importantes, ela não detalha exigências para certificação periódica de fornecedores críticos. A ausência de requisitos mais rigorosos para terceiros que atuam como pontos de interconexão fragiliza o sistema financeiro como um todo, tornando-o vulnerável a ataques que se aproveitam justamente dos seus elos mais frágeis.
Esse cenário revela uma falha estrutural: a confiança delegada a fornecedores não é acompanhada por controles proporcionais ao risco que representam. Isso favorece o surgimento de riscos sistêmicos, capazes de afetar diversas instituições simultaneamente, com efeitos em cascata.
Considerações finais
Este artigo analisou criticamente o ataque cibernético que, em julho de 2025, impactou instituições financeiras brasileiras por meio de vulnerabilidades na cadeia de suprimentos da C&M Software. A pesquisa partiu da hipótese de que falhas na governança de acessos privilegiados e na fiscalização de fornecedores críticos representam riscos reais e crescentes ao sistema financeiro nacional.
A partir da análise de fontes documentais e acadêmicas, concluiu-se que o ataque seguiu uma metodologia sofisticada e bem estruturada, aproveitando-se de lacunas na segurança de terceiros para executar transações de alto impacto. Mesmo com investimentos significativos em segurança por parte das instituições financeiras, a fragilidade de prestadores terceirizados permanece como um dos maiores pontos de vulnerabilidade do setor.
Além dos prejuízos financeiros diretos, os danos reputacionais e os efeitos sistêmicos reforçam a urgência de medidas concretas. Auditorias constantes, fortalecimento da governança de acessos, capacitação contra engenharia social e fiscalização regulatória mais rigorosa são medidas indispensáveis para mitigar riscos semelhantes.
Por fim, o estudo destaca que a resiliência do sistema financeiro não depende apenas de tecnologia avançada, mas da construção de uma cultura organizacional sólida, com responsabilidade compartilhada entre instituições, fornecedores e reguladores.
Veja também em: Artigo_CIBERATAQUES NA CADEIA DE SUPRIMENTOS
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